Boletim Poético #28 | Misto quente, território kaingang, poemas e mais trem de poesia
Compilado de conteúdo e links @ Portal Fazia Poesia, julho de 2024.
Da casa
Aôba! 🙋♂️ Boa noite!
Hoje é terça-feira, dia 16 de julho de 2024.
Já cumprimos 54% de 2024.
Época de férias escolares; gritaria no pilotis e joelho ralado.
E aí, tudo bem? Aqui estamos em mais uma edição da newsletter da FP.
Há uma grande discussão sobre onde e quando a poesia está presente. Dentre as 101 definições que publicamos há um tempo no portal, podemos perceber que, além da busca pelo “o que é”, também existe a busca pelo “onde” quando se trata de poesia. Hilda diria que a poesia sempre pareceu um mistério, você não sabe dizer o que é, ela acontece ou não acontece. Ora, e como fica Parmênides? Se algo acontece, não pode simplesmente não acontecer. Poesia é contradição lógica?
Se você gosta do que tem acompanhado por aqui, considere compartilhar esta newsletter com alguém próximo ou distante a você, o link pra assinar é bem fácil, dá até pra decorar: <faziapoesia.substack.com>
É possível falar de lógica e poesia? Quais as formas de marcar o tempo? Olhar a sombra, observar uma cicatriz, criar mofos, contar abraços, ver a grossura do carnê da Lojas Cem, esvaziar o cinzeiro. Acordo. Preparo um café e me questiono: há poesia num misto quente? Eu estou bem.
Até a próxima!
Poeticamente,
Alex Zani ✍
editor-chefe do portal Fazia Poesia
livros
Em defesa da memória e do território kaingang
No livro de poemas “Retorno ao Ventre”, Jr. Bellé conecta a história da família ao movimento de resistência vivido pelos povos indígenas no Sul do país
Quando as lembranças de Pedrolina deterioravam-se pelo Alzheimer, ela ligou para o sobrinho e escritor Jr. Bellé para contar uma história até então desconhecida. A família deles, majoritariamente branca, estabelecida no sudoeste do Paraná, vinha de raízes indígenas, possivelmente kaingang. É um relato parecido com a de diversos brasileiros e atravessa a própria formação do país: vítima de um bugreiro alemão, sua tataravó era uma criança indígena que nasceu, viveu e morreu sem registros oficiais ou alguém para relembrar sua trajetória às gerações seguintes.
Foi o autor que tomou para si esse compromisso e preencheu as lacunas da memória com ficção em Retorno ao ventre - Mỹnh fi nugror to vẽsikã kãtĩ, publicado pela editora Elefante. Na obra, tia Pedrolina também aparece, mas, diferente da vida real, ela está no leito do hospital quando compartilha as escassas lembranças sobre sua ancestral. A partir desse momento, os poemas começam a refletir sobre as consequências do violento processo de ocupação de terras indígenas por colonos brancos: a "marcha para o oeste". Um de seus episódios inaugurais foi a primeira expedição militar da República em direção ao "grande sertão", ou "vazio demográfico", como era chamado o sudeste do Paraná. Contudo, o lugar era o lar e o território de inúmeros povos originários.
~
o termo sertão é aqui empregado
sempre no sentido
de vazio demográfico
por vazio demográfico entenda-se apagamento
pois é evidente que aquelas terras estavam cheias
de pinheiro de macaco de tatu de xetá de unha-de-gato
de taquara-mansa de fumeiro-brabo de ipê de kaiowá
de gralha-azul de chuchu de xokleng de cipó de aracá
de alecrim-do-mato de ariticum-preto de ingá de mỹnh
o vazio estava especialmente cheio de mỹnh
estava cheio de nós
(Retorno ao ventre, pg. 54)
~
Para construir esta poesia narrativa, Jr. Bellé recorreu a documentos históricos presentes nos arquivos de espaços como o Museu dos Povos Indígenas do Rio de Janeiro e o Portal da Legislação Histórica do Governo Federal. Parte desta documentação está inserida no livro, como uma composição artística de uma aldeia de casas subterrâneas, uma carta sobre a primeira incursão militar ao sudoeste do Paraná redigida pelo capitão do exército José Ozório e um registro de doação de terras com a comprovação da presença dos povos originários no local.
Em meio a encontros e desencontros, memórias e esquecimentos, a obra percorre o passado para explicar o presente. Além de abordar as violências e resistências vividas pelas populações indígenas um século atrás, o autor ainda comenta sobre os problemas atuais, como a reivindicação do direito à demarcação de terras, ao passo que celebra conquistas de lideranças como Sônia Guajajara, Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Iracema Gah Té (kujá kaingang que luta pela demarcação do Morro Santana, em Porto Alegre, a quem o livro é dedicado), e muitas outras.
Bilíngue, o livro foi escrito em português e traduzido ao kaingang pelo professor André Caetano, liderança da T.I. de Serrinha, no Rio Grande do Sul, com revisão final do professor Lorecir Koremág. Já a orelha é assinada por Eliane Potiguara, uma das mais importantes poetas brasileiras e fundadora da Rede Grumin de Mulheres Indígenas, enquanto as ilustrações são da artista e ativista Moara Tupinambá.
Jr. Bellé explica: “falo sobre um local onde muitos já habitaram e ainda habitam: kaingang, kaiowá, mbyá, xokleng, xetá... Os povos do Paraná têm memória, e ela precisa ser preservada e exaltada”.
Vencedor do Prêmio Cidade de Belo Horizonte na categoria Poesia, Retorno ao ventre reconstrói as lacunas da memória com a ficção e homenageia os primeiros habitantes do país, que viviam aqui muito antes de ele ser denominado “Brasil”. A obra também reivindica um novo olhar para o Sul, onde há séculos a população indígena luta contra a invisibilização.
SOBRE O AUTOR — Doutorando em Estudos Literários (UFPR), mestre em Estudos Culturais (USP) e especialista em Jornalismo Literário (ABJL), Jr. Bellé (@jr.belle) é jornalista, pesquisador, programador de literatura do Sesc Av. Paulista e integra a equipe de poetas do portal Fazia Poesia. Tem quatro livros publicados: “Trato de Levante”, cuja obra foi adaptada para o cinema; “amorte chama semhora”; “Mesmo se saber pra onde”, que recebeu o Prêmio Variações de Literatura e teve menção honrosa no Prêmio Casa de Las Américas; e Retorno ao ventre. Filho de Dona Bete e seu Valcir, nasceu em Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná, uma terra indígena ancestral.
LANÇAMENTO — No próximo 20 de julho, acontece o lançamento do “Retorno ao ventre: Mỹnh fi nugror to vẽsikã kãtĩ”, de Jr. Bellé (@jr.belle), com a presença ilustre do autor, do escritor e ambientalista Kaká Werá e da cineasta e escritora Mayra Sigwalt, que assina o prefácio da edição.
📆 Sábado, 20 de julho.
⏰ Às 17h.
📍 Mercadinho Simples - Rua Rocha, 416, São Paulo/SP.
Vamos? :)
Compre o livro diretamente pelo loja virtual da Editora Elefante, com frete fixo R$ 15.
coletâneas
7 poemas metamórficos de Lucas Grosso
Lucas Grosso tem 34 anos, é de São Paulo — SP, e atua como professor e redator. O poeta nasceu em 29 de março de 1990 e se formou em Letras pela PUC-SP, com mestrado em Literatura pela mesma instituição. É autor de três livros solo de poesia — Nada (Patuá, 2019), Hinário Ateu (Urutau, 2020–2024, Toma Ai Um Poema) e A Loja de Lámen (Penalux, 2023), além do coletivo Terra dos Papagaios (Penalux, 2021) — e vasta obra espalhada por revistas digitais de todo o Brasil. É poeta associado do portal Fazia Poesia desde 2023.
Lucas traz consigo uma inquestionável bagagem literária, mas é sua maneira particular de imbricar palavras e sentidos que mais denota a essência de sua escrita. De temas diversos, sua obra é profundamente questionadora do mundo e da sociedade, ao passo que também dialoga e reflete a si mesma. Para os ávidos leitores de plantão, é impossível não sentir quase no físico cada verso lapidado pelo autor.
tartaruga amedrontada
qual é a resistência do seu casco?
Com essa frase — de um dos escritos de logo mais — estendo o convite à leitura de uma singela parte coletaneada da distinta obra de Lucas Grosso!
artigos
Quem Fez Poesia? #63— LuizaLuiza
Palavras da editora:
Ler Luiza é ter contato com o que há de mais cru e refinado, nessa dualidade que é una do fazer poético. Ela escreve como quem navega um rio de águas caudalosas, como quem diz: “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”.
Certa vez, um professor mui sábio, de percepções bem vivas, disse ao nosso grupo que despertar é preciso e que só escrevemos quando transbordamos.
Realmente acredito que isso se aplica à academia do pensar e do sentir, aos saberes outros (formais, informais), à poesia. É um exercício: a prática por vezes requer disciplina, fundamento, preparação e… movimento da musculatura.
[…]
Com açúcar e com afeto,
Ana C. Moura — Editora de Conteúdo da Fazia Poesia.
~
I. Poetisa ou poeta
Faço poesia desde criança. Era assim que os adultos elogiavam a minha escrita em estrofes e versos: ela faz poesias. No plural. Com o tempo eu aprenderia que o correto é dizer que se fazem poemas, porque poesia é a “expressão artística por meio do uso criativo da linguagem”, e poema é o “gênero textual caracterizado pela sua forma organizada em estrofes, versos, com rimas ou sem rimas”, mas que também pode não ter estrofes nem rimas, ou pode ser escrito em prosa. Está cada vez mais difícil definir o que é ou não é um poema, mas o principal do poema é que tem poesia. Uma bula de remédio é um texto em prosa sem nenhuma poesia, mas textos em prosa como os de Clarice Lispector ou Aline Bei têm bastante poesia. Mas pode poesia em prosa, ou prosa poética? Não sei, ainda estou descobrindo. Estou fazendo, no mestrado em literatura, um curso sobre poética e descobrindo que não sei nada de poesia. Espanto. Pensei que bastava escrever poesia para entender poesia, mas percebo que me falta muita, muita teoria.
Continue lendo o artigo na íntegra:
concursos e chamadas
3 concursos e 2 chamadas de poesia para julho de 2024
Dormiu de bota molhada e ainda não viu nossa seleção de concursos e chamadas? Relaxa que dá tempo! Confere aí, tem concurso de haicai, prêmio da Biblioteca Nacional e chamadas pra você criar vergonha na cara e publicar o seu livro (autocrítica).
Confira alguns dos poemas publicados recentemente no portal Fazia Poesia:
transcrição de corpo em réquiem para 2013, de Anielson Ribeiro →
Meu amor chega cansado do trabalho, de Leo de Sá Fernandes →
Lembre-se: você encontra esses e muito mais em faziapoesia.com.br.
notícias
Livros vencedores do Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente entram em pré-venda
“A duração entre um fósforo e outro”, da cearense Zulmira Correia, e “Beija-flor de concreto”, do piauiense Andrey Jandson da Silva, foram as obras publicadas na primeira edição pelo selo Tato Literário.
A
() iniciou a pré-venda dos livros vencedores do Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente. Realizada em 2023, a premiação teve como objetivo viabilizar a publicação e distribuição de obras inéditas de autores e autoras independentes. Na categoria Conto, o livro selecionado foi "Beija-flor de concreto", do autor piauiense Andrey Jandson da Silva (@andreyjandson). Já na categoria Poesia, "a duração entre um fósforo e outro", da cearense Zulmira Correia (@zulmiracorreia__) foi a obra vencedora. Ambos estão sendo publicados pelo selo Tato Literário, que estreia no mercado editorial com a publicação dos vencedores do concurso."Estamos extremamente orgulhosos de lançar os dois títulos. Sabemos dos desafios de publicar e divulgar um livro no Brasil. Com o Tato Literário, buscamos oferecer essa experiência para quem ainda não encontrou uma casa editorial para o seu original", explica Karoline Lopes, jornalista e fundadora da com.tato.
"A duração entre um fósforo e outro" (120 págs, R$50) e "Beija-flor de concreto" (180 págs, R$70) estão disponíveis para compra no site da com.tato. Quem adquirir os exemplares na pré-venda poderá ganhar 10% de desconto com o cupom TATOLITERARIO10. Para aproveitar o desconto, basta aplicar o código no carrinho no momento de finalizar a compra.
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Por hoje é isso, obrigado pela leitura!